É interessante pensarmos
que o fato de nos eximirmos de algo nos faz isentos do erro (ou acerto)...
Ledo
engano!
A omissão pode se constituir inclusive crime, porém, seja qual for o tipo de “negligência” cometida, quem mais será afetada com isso é a nossa consciência, portanto muito cuidado ao dizer:
“Eu lavo
as minhas mãos”
“Há muito tempo aconteceu um fato que
me tirou o sono: encontrei-me entre a cruz (literalmente) e a espada, e o que
fiz?
Lavei minhas mãos!
Um certo judeu, por nome Jesus, cujos
fiéis seguidores O consideravam um Deus, era severamente rejeitado pela maioria
das autoridades judaicas que O amarraram e O trouxeram até a mim para julgá-lo[1].
Na época, eu era praefectus (prefeito),
um governante da província romana da Judeia
entre os anos 26 e 36 d.C. e Herodes governava a Galileia (motivo pelo qual,
após primeiro julgamento, enviei Jesus, o galileu, para ser julgado por ele que
não vendo motivo para condená-Lo, escarneceu dEle e O enviou de volta a mim[2].
Meu relacionamento com
os judeus não era bom: eles me achavam violento, duro, de conduta abusiva e
promíscua, mesmo assim incumbiram a mim essa árdua tarefa. Não entendi porque
além dessa conturbada relação, sabiam o quanto eu era cruel com os prisioneiros
e me tinham como Tirano.
Aí fiquei me
perguntando: por que eles mesmos não fizeram esse julgamento?!
A alegação foi que,
segundo suas leis, eles não tinham direito à vida ninguém[3], não poderiam matar uma pessoa... e
lá estava eu diante de uma “sinuca de bico” tendo de um lado Cristo, um
inocente, e de outro uma multidão cheia ódio e cegada pelos interesses das
autoridades que O invejavam[4] e que incitava o povo a querer sangue.
Iniciei novo
interrogatório insistindo que o Rei dos Judeus se defendesse daquelas acusações
sem fundamento, mas nada dizia que O condenasse ou O inocentasse.
Era preciso ter muita
astúcia para sair daquela situação embaraçosa, afinal não havia mal algum
naquele homem[5], como condená-Lo sem me indispor com o
povo e com as autoridades judaicas?
Mandei acoitá-Lo e O
exibi todo ensanguentado com uma coroa de espinhos na cabeça para ver se eles se
contentavam e vendo a barbaridade que cometi se dessem por atendidos, no
entanto, a ira os levava a gritar ainda mais alto por Sua condenação.
O que estava
acontecendo com aquele povo religioso e crédulo?!
Eu não conseguia
entender que uma gente tão pacata que vivia sob o rigor de nós romanos fosse
capaz de insanidade maior que a nossa!
Para evitar o pior,
propus, como sempre o fazia na festa da Páscoa, que escolhessem entre a
liberdade do Messias ou de Barrabás (um conhecido agitador e interventor da
seita dos zelotes que já havia sido várias vezes presos por arruaça e
conspiração contra o Império Romano), dando-lhes uma chance de se redimir, no
entanto, sem hesitar o povo escolheu soltar o salteador.
Fiquei estático...
Nesse ínterim, Claudia
Prócula, minha esposa, mandou-me um recado dizendo para eu não me envolver
nessa questão porque em sonho sofreu por aquele judeu e tinha certeza que era
inocente[6]. Eu também sabia disso!
Senti um mal presságio...
Para desencargo de
consciência, perguntei novamente à multidão a fim de saber quem gostaria que eu
soltasse e o povo gritava: Barrabás. Mais estarrecido fiquei e me perguntava
que crime aquele homem havia cometido para ser tão odiado?
Meio atônito e
temeroso, inqueri a multidão para saber o que de fato queria que eu fizesse;
prevendo uma dura pena pelo olhar de ódio e a fúria com que aqueles judeus
gritavam, eles me responderam: Crucifica-o!
Minha carne
estremeceu...
Atormentado com
tamanha crueldade, visto que a crucificação era a pior das mortes, fiquei
perplexo porque eram muitas as críticas contra a minha pessoa pelo rigor com
que eu e todo o império romano tratavam os inimigos, como agora me pediam pra
cometer tamanha atrocidade contra um inocente?!
Articulei rapidamente
uma forma de contentar a multidão e os líderes judeus, não contrariar meus
superiores, que esperavam de mim atitude diante das situações difíceis de um
governo, e nem dar motivos para Herodes me depreciar.
A tradição deles seria
minha saída.
Havia uma lei judaica que
dizia que os crimes misteriosos que acontecessem às proximidades de uma cidade
inocentavam seus líderes caso “lavassem suas mãos” em
público declarando que nada tinham a ver com o ocorrido [7].
Nós os romanos não
temos esse costume, mas o ato seria algo significativo para os judeus e com
isso entenderiam minha intenção: Eximir-me da culpa, afinal o que eu tinha a
ver com a insensatez e a demência daquela gente?!
Foi o que fiz!
Pedi uma vasilha com
água e uma toalha e na frente de todos disse que não era responsável pela morte
daquele homem, e num gesto ainda mais insano a multidão gritou: Que o sangue
dele caia sobre nós e nossos filhos![8].
Esse episódio me fez
conhecido no mundo todo, mas de nada me valeu tanta fama diante da minha
covardia e fraqueza; isso me trouxe apenas a tormenta de ter feito parte da
maior injustiça que essa Terra pode presenciar; minha consciência não me deixava
dormir porque aquele homem era verdadeiramente o Filho de Deus.
Em conversa
particular, pude constatar isso. Na ocasião, falei da minha autoridade de
livrá-lo se Ele quisesse e mesmo todo ensanguentado, sentido as dores daquele
suplício, serenamente com mesma mansidão e brandura de sempre me disse que a
minha autoridade vinha de Deus[9]... Que ser humano faria isso numa situação
tão desfavorável?
Estremeci, mas a
pusilanimidade não me deixou voltar a trás!
Embora minha esposa
Prócula seja até hoje venerada pela Igreja Ordodoxa e eu me tornado santo em
igrejas etíopes e coptas, carrego a dor e o desatino de ter me acovardado
diante do julgamento de um inocente”.
Quando nos deixamos cegar pelo ódio e pela ira, damos lugar ao Diabo e não exercermos o fruto do espírito (domínio próprio); assim, o inimigo usa a própria lei de Deus contra nós como o foi no julgamento do nosso Salvador. Cuidemos para não sermos culpados da crucificação de Cristo.
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